ARTIGO ABETRI: Os Impactos do ICMS nas Operações Interestaduais e a Transição para o IVA Dual: Uma Análise Essencial

Por João Batista de Lima Barbosa / Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade de Teologia Integrada; MBA em Contabilidade, Perícia, Auditoria e Controladoria pelo Instituto IBPEX (Uninter); Pós-Graduado em Contabilidade, Auditoria e Controladoria pela Faculdade Salesiana do Recife; Advogado; Tributarista; Sócio da JB Assessoria Tributária; Membro da Comissão de Teses e Assuntos Tributários (CTAT) da OAB Paulista/PE e associado ABETRI

Resumo

Este artigo explica como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) afeta as vendas e compras de mercadorias entre diferentes Estados brasileiros. Aborda as diferenças de alíquotas, o diferencial de alíquotas (DIFAL) e a cobrança antecipada (substituição tributária). Discute a futura criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e sua convivência com o ICMS até 2032. Utilizando leis, decisões de tribunais e dados de empresas, avalia os efeitos do ICMS no fluxo de caixa, logística e competitividade regional. Conclui que o sistema atual é complexo, custoso para empresas e pode ficar mais confuso na transição se não houver coordenação.

Palavras-chave: ICMS; operações interestaduais; DIFAL; substituição tributária; reforma tributária; IBS.

Abstract

This article clarifies how Brazil’s ICMS influences interstate trade, covering rate differences, DIFAL, and tax substitution. It discusses the upcoming IBS and its transition period alongside ICMS. Based on legal sources, court cases, and company data, it shows the rules’ effects on cash flow, logistics, and regional competitiveness. It concludes that the system is complex and costly, and issues may persist without careful transition management.

Keywords: ICMS; interstate taxation; DIFAL; tax substitution; tax reform; IBS.

1. Introdução

O ICMS é o principal imposto estadual sobre o consumo no Brasil, representando cerca de 20% das receitas dos Estados (STN, 2024). Quando uma mercadoria cruza a fronteira de um Estado para outro, aplicam-se alíquotas diferentes, além de regras como o DIFAL e a cobrança antecipada que podem encerrar a tributação ou não. Isso aumenta a carga administrativa para as empresas e pode influenciar o preço final dos produtos.

A Emenda Constitucional 132/2023 criou o IVA dual, que incluirá o novo IBS (estadual/municipal) e a CBS (federal). Contudo, o ICMS continuará existindo até 2032, criando um período de transição em que os dois sistemas coexistirão ocasionando cobranças antecipadas até a data fim.

2. Conceitos básicos

2.1. Federalismo fiscal

No federalismo brasileiro, cada Estado pode definir parte de suas regras de ICMS. Isso incentiva a competição, mas também gera um “labirinto” de normas, segundo Varsano (2003) e Silveira (2018).

Se pararmos para analisar, temos 26 estados e o Distrito Federal, ou seja, 27 formas deferentes de legislar. Cada estado pode ditar suas regras, fazer acordos entre si ou criar “acordos coletivos” através do Confaz. O fato é que isso cria uma insegurança e um emaranhado de situação que garantem um verdadeiro caos, elevando assim a carga tributária e por consequência, os preços dos produtos.

2.2. Incidência do ICMS nos preços

A forma como o ICMS se transfere para o preço final de um bem — fenômeno conhecido como pass‑through — depende de três grupos de fatores principais:

  • Características de oferta e demanda do produto;
  • Grau de concorrência ao longo da cadeia (indústria, atacado e varejo); e
  • Desenho do próprio tributo, incluindo alíquota, base de cálculo e momento de recolhimento.

Quando a demanda é inelástica, isto é, pouco sensível a mudanças de preço, as empresas conseguem repassar a maior parte do imposto ao consumidor. Em mercados de demanda mais elástica ou com forte competição de preços, parte do encargo costuma ser absorvida nas margens de lucro. Do lado da oferta, setores com poucos produtores ou com marcas fortes (bebidas, fármacos) apresentam repasse maior que aqueles mais pulverizados (vestuário, eletrônicos).

No Brasil, a cobrança antecipada — seja por substituição tributária (ST) ou pela chamada “antecipação integral” — reforça o repasse porque o ICMS é pago logo na entrada da mercadoria, muitas vezes sobre uma Margem de Valor Agregado (MVA) presumida superior à margem real. Se o contribuinte não consegue ajustar preços imediatamente, essa antecipação pressiona o capital de giro e estimula reajustes mais rápidos.

Estudo de Barros et al. (2022) analisou séries de preços de produtos de higiene e bebidas em cinco capitais e estimou um pass‑through médio de 92 % após adoção da ST, contra 65 % no regime normal de débito e crédito. Dias & Sampaio (2023) encontraram resultado similar no setor de autopeças, com aumento de 3,5 p.p. nos preços finais em Estados que elevaram a MVA.

O regime de crédito também faz diferença: empresas no regime normal podem usar o imposto pago como crédito mais adiante, fazendo da antecipação um custo financeiro temporário. Já as optantes do Simples Nacional não se creditam, de modo que o ICMS pago na ST vira custo definitivo, elevando a tendência ao repasse integral.

2.3. Compliance tributário

Para evitar multas e autuações, as empresas investem em sistemas de controle fiscal. Estudos da OCDE (2019) apontam que bons controles reduzem erros e custos.

3. Evolução do ICMS entre Estados

O ICMS evoluiu do antigo ICM (1965). A Lei Kandir (1996) modernizou o tributo e criou a substituição tributária. Em 2015, a EC 87 introduziu o DIFAL para vendas a consumidor final. Recentemente, a LC 190/2022 detalhou a cobrança do DIFAL, e o Convênio ICMS 178/2024 busca padronizar prazos de pagamento.

4. Regras e decisões importantes

• A Constituição (art. 155, § 2.º) permite alíquotas interestaduais e cobrança antecipada.

• O STF no Tema 444 (RE 593.849/MG) decidiu que Estados só podem exigir antecipação sem substituição tributária (ST) se houver lei formal.

• O STF no Tema 1093 (RE 1.287.019/RS) garantiu ao contribuinte o direito à restituição quando a base de cálculo presumida for maior que o valor real.

5. Impacto no fluxo de caixa

Segundo os grandes varejistas (B3) nas empresas, a antecipação integral eleva o ciclo financeiro em quase 8 dias. Com o IBS e crédito financeiro imediato, esse ciclo poderia cair cerca de 4 dias.

No e-commerce, o vendedor geralmente paga a antecipação e o DIFAL, o que aumenta seus custos. Marketplaces frequentemente repassam esses custos aos vendedores, que ajustam seus preços.

Fertilizantes e defensivos têm regras especiais de diferimento, criando vantagens para Estados produtores como Goiás e Mato Grosso.

5.1. Custos de compliance

O Barômetro de Custo de Conformidade do ICMS (2023) afirma que empresas gastam, em média, 1.700 horas por ano para cumprir obrigações relacionadas ao ICMS-ST. Quem investe em sistemas de controle pode reduzir esse tempo em quase um quarto.

6. Discussão

O sistema atual do ICMS incentiva as empresas a reavaliarem a localização de seus centros de distribuição e cria desequilíbrios regionais. A experiência do Canadá sugere que um sistema de arrecadação centralizada pode reduzir essas distorções. No Brasil, a falta de coordenação pode aumentar o litígio judicial e criar um Êxodo Industrial.

7. Conclusões

Este artigo confirmou que o ICMS nas operações interestaduais é hoje um dos principais pontos de fricção do sistema tributário brasileiro. A partir da combinação de análise normativa, evidência empírica e estudos de caso, emergem quatro conclusões centrais:

  1. Peso financeiro e operacional expressivo – A antecipação integral/ST adiciona, em média, quase oito dias ao ciclo de caixa e consome aproximadamente 1 700 horas‑homem por ano em rotinas acessórias. Esse ônus reduz a liquidez das empresas e drena recursos que poderiam ser investidos em inovação ou expansão de mercado.
  2. Distorções competitivas regionais – Alíquotas internas díspares, regimes de diferimento seletivo (fertilizantes, defensivos) e incentivos à localização de centros de distribuição criam assimetrias que se refletem em preços finais, migração de plantas e disputa arrecadatória entre Estados, tudo em prol de uma menor carga tributárias nas operações com antecipação de ICMS.
  3. Janela de oportunidade com o IBS – O modelo de crédito financeiro imediato previsto para o IBS tem potencial de devolver até quatro dias de capital de giro às empresas e eliminar etapas redundantes de escrituração. Contudo, sem governança federativa forte, o período de convivência (2026‑2032) pode gerar sobreposição de declarações e litígios sobre repartição de receitas.