ARTIGO ABETRI: A Utilização dos juros sobre o Capital Próprio (JCP) como forma de Redução da Carga Tributária para Empresas do Lucro Real

Por Eduardo Pinheiro Borges, Contador, Especialista em Direito Tributário e associado ABETRI
- INTRODUÇÃO
Diante das dificuldades econômicas que muitas empresas vêm enfrentando em um
período pós-pandemia, aliado à grande competitividade que o mundo globalizado dos
negócios as impõe, estratégias diversas de gestão de recursos e redução de custos,
são fatores fundamentais para a manutenção e sobrevivência dos empreendimentos.
Além disso, em termos tributários, as empresas sofrem com a alta carga tributária,
resultado histórico da má gestão de recursos públicos e da corrupção. Neste sentido,
atualmente, uma das estratégicas e investimentos que as empresas têm buscado para
redução de custos e gestão eficiente dos tributos, é o planejamento tributário. O
planejamento tributário tem como objetivo a redução da carga tributária pelos meios
lícitos previstos ou omissos na legislação. Essa prática chama-se elisão fiscal.
Diante disso, é que entra a figura dos Juros sobre o Capital Próprio. De que forma a
utilização desses juros podem ser tornar uma importante medida a ser utilizada pelas
empresas tributadas pelo regime do lucro real como forma de remuneração dos sócios
e consequente redução da carga tributária? Como se calcula e se materializa na
prática? - JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO (JCP)
2.1 Considerações gerais
A partir da edição da Lei 9.249/1995, foi instituída a figura dos Juros sobre o Capital
Próprio (JCP). A mesma lei foi responsável pela extinção da sistemática da correção
monetária das demonstrações contábeis, a qual vigeu por muitos anos no Brasil.
A questão é que, com a extinção da correção monetária, foram criadas distorções
tributárias relevantes para muitas empresas, principalmente, para aquelas
capitalizadas e que não se financiavam com capital de terceiros. A não correção do
patrimônio líquido para estas empresas, acabou por gerar uma carga tributária maior
do que tinham anteriormente, pois o resultado delas deixou de ter o efeito inflacionário.
Então, a instituição dos JCP pela Lei 9.249/95, foi a forma que o governo encontrou de
evitar essa elevação da carga tributária. Após a edição da Lei 12.973/2014, onde os
efeitos societários trazidos pela adoção das normas internacionais de contabilidade,
foram incorporados pela legislação tributária, a Receita Federal do Brasil, através da
Instrução Normativa 1.700/2017, regulamentou sobre os tratamentos tributários do
IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), da CSLL (Contribuição sobre o Lucro
Líquido) e das contribuições sociais para o PIS (Programa de Integração Social) e
COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
2.2 Dedutibilidade
O artigo 75 da IN RFB 1.700 disciplina a possibilidade de utilização dos JCP, para fins
de redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, como segue:
Art. 75. Para efeitos de apuração do lucro real e do resultado
ajustado a pessoa jurídica poderá deduzir os juros sobre o
capital próprio pagos ou creditados, individualizadamente, ao
titular, aos sócios ou aos acionistas, limitados à variação, pro
rata die, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e calculados,
exclusivamente, sobre as seguintes contas do patrimônio
líquido:
I – capital social;
II – reservas de capital;
III – reservas de lucros;
IV – ações em tesouraria; e
V – prejuízos acumulados.
De acordo com o artigo 75 da IN RFB 1.700/17 mencionado acima, a empresa poderá
deduzir para fins de apuração do IRPJ e CSLL com base no regime tributário do lucro
real, a variação pro rata dia da TJLP sobre contas específicas do patrimônio líquido.
Em relação às contas do patrimônio líquido, mesmo que a Lei 11.638/07 tenha abolido
a possibilidade de reavaliação de bens do ativo imobilizado, o artigo 6° da referida lei
possibilitou que as empresas que possuíssem saldo de reservas de reavaliação no
patrimônio líquido, os mantivessem, até a efetiva realização ou, por opção das
mesmas, que fossem estornados até o final do ano de 2008, ano de entrada em vigor
da lei. A reserva de reavaliação, mesmo que mantida no patrimônio líquido até a
efetiva realização, não entra no cálculo dos JCP.
Outra novidade societária trazida pela Lei 11.638/07, foi a criação da conta Ajustes de
Avaliação Patrimonial, a qual é utilizada para registrar aumentos ou diminuições a
elementos do ativo e do passivo, decorrentes de avaliação a valor justo. De acordo
com o art. 59 da Lei 11.941/09, a conta de ajustes de avaliação patrimonial, integraria
a base de cálculo dos JCP, porém, o referido artigo foi revogado posteriormente pela
Lei 12.973/14.
Porém, para fins de dedutibilidade, o § 2° do artigo 75 da IN RFB 1.700/17, estabelece
dois limites dos JCP:
a) 50% (cinquenta por cento) do lucro líquido do exercício antes da dedução dos
juros, caso estes sejam contabilizados como despesa; ou
b) 50% (cinquenta por cento) do somatório dos lucros acumulados e reservas de
lucros.
Especificamente a respeito do primeiro limite, o lucro referido é o resultado contábil
apurado no próprio período de referência ou período-base. Quando ao segundo limite,
os valores de reservas de lucros e lucros acumulados a serem considerados são os
referentes aos períodos anteriores ao base (trimestre ou ano), deduzidos das
movimentações do período-base, com exceção do resultado do próprio exercício. Por
exemplo, as distribuições de lucros ocorridas no período, serão redutores do saldo de
reserva de lucros ou lucros acumulados.
2.3 Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF)
De acordo com o § 7° do art. 75 da IN RFB 1.700/17, os juros pagos ou
creditados ao beneficiário, estarão sujeitos à incidência do imposto à alíquota
de 15%. Este imposto deverá ser recolhido mediante DARF (Documento de
Arrecadação de Receitas Federais) até o 3° dia útil subsequente ao decêndio
em que tenha ocorrido o fato gerador, ou seja, o pagamento ou o crédito aos
beneficiários. Isso quer dizer que, mesmo que apenas creditados (sem
efetivação de pagamento) à conta dos sócios ou acionistas na contabilidade da
pessoa jurídica, os JCP ficam sujeitos ao IRRF.
2.4 Contabilização
Apesar da legislação tributária admitir a possibilidade de contabilização dos JCP como
despesa e, consequentemente, a redução do resultado tributável para fins de
apuração de IRPJ e CSLL, caso isso não ocorra, o valor passível de dedução poderá
ser excluído na Parte A do LALUR (Livro de Apuração do Lucro Real) e do LACS
(Livro de Apuração da Contribuição Social).
Porém, a Interpretação Técnica ICPC 08 (R1), que trata da Contabilização da
Proposta de Pagamento de Dividendos, dispõe que o JCP não pode ser lançado na
contabilidade como despesa tendo em vista a natureza fiscal e que na sua essência
eles são distribuição de lucros ou resultados.
Esse procedimento em relação à técnica contábil, não é consenso entre autores que
escrevem sobre a matéria.
2.5 Cálculo dos Juros sobre o Capital Próprio – Sócios Pessoas Físicas
Mas na prática, como são calculados os JCP? É o que será demonstrado a seguir,
com um exemplo hipotético de uma empresa que apura o IRPJ e a CSLL pelo regime
do lucro real anual. Empresas que apuram esses tributos com base no lucro real
trimestral podem calcular os JCP e utilizá-los para fins de dedutibilidade? A resposta é
sim, porém a variação da TJLP a ser aplicada às contas do patrimônio líquido é a
referente ao trimestre a qual está sendo efetuado o cálculo. A sistemática de cálculo é
a mesma.
Outra observação importante a fazer neste sentido é para as empresas que recolham
o imposto de renda e a contribuição social, mensalmente, com base na estimativa
utilizando a receita bruta ou pelo balanço ou balancete de redução ou suspensão. As
empresas que optem pelo recolhimento por estimativa com base na receita bruta, não
poderão utilizar os JCP para fins de dedução da base de cálculo dos tributos, visto que
a base não é calculada pelo resultado contábil.
Dados hipotéticos:
Variação TJLP: 7%
Lucro contábil do período, antes do JCP e impostos: R$ 684.000,00
Patrimônio líquido: R$ 2.000.000,00 (composto de R$ 500.000,00 de capital social e
R$ 1.500.000,00 de reserva de lucros)
Sendo assim, a aplicação da variação de 7% da TJLP sobre o capital social de R$
2.000.000,00 (dois milhões de reais), resulta no montante de JCP de R$ 140.000,00.
Análise dos limites:
a) limite 1: 50% (cinquenta por cento) do lucro líquido do exercício antes da
dedução dos juros
Lucro líquido: R$ 684.000,00 x 50% = R$ 342.000,00
c) limite 2: 50% (cinquenta por cento) do somatório dos lucros acumulados e
reservas de lucros.
Reservas de lucros: R$ 1.500.000,00 x 50% = R$ 750.000,00
Como o valor do JCP calculado pela variação da TJLP (R$ 140.000,00) é inferior aos 2
limites previstos na legislação, então a empresa pode utilizar todo o montante para
redução da carga tributária de IRPJ e CSLL no período de apuração.
Traduzindo o benefício em números, considerando uma carga tributária de IRPJ e
CSLL de 34% (15% de IRPJ + 10% de Adicional de IRPJ + 9% de CSLL) e a
necessidade de retenção na fonte de 15% de IR, a economia líquida pode chegar a
19% do valor do JCP, ou seja, R$ 26.600,00 (19% do JCP de R$ 140.000,00).
Porém, os benefícios dos JCP não se limitam apenas à redução da carga tributária do
IRPJ e CSLL. O JCP pode ser utilizado também como uma forma de remuneração dos
sócios, onde a empresa poderá fazer um planejamento de redução do pró-labore dos
sócios pessoas físicas, no intuito de redução da incidência de 20% de contribuição
para a Previdência Social (INSS-Instituto Nacional da Seguridade Social), a qual é
devida pelas pessoas jurídicas em relação aos rendimentos pagos aos sócios, de
acordo com o art. 22, III, da Lei 8.212/91.
2.6 Beneficiários Pessoa Jurídica
Cabe ressaltar que o crédito ou pagamento de JCP pode ocorrer também para sócios
pessoas jurídicas. Porém, caso a pessoa jurídica beneficiária seja tributada pelo lucro
real, os juros pagos ou creditados serão contabilizados como receita financeira e
estarão sujeitos à tributação do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. No caso de pessoas
jurídicas tributadas pelo lucro presumido ou arbitrado, a receita de JCP integrará a
base de cálculo do IRPJ e CSLL.
- Conclusão
A utilização dos juros sobre o capital próprio, para empresas tributadas pelo Lucro
Real e que tenham uma capitalização satisfatória (operação lucrativa e saldo de lucros
acumulados ou reservas de lucros), possibilita uma redução significativa nos tributos
sobre o lucro, IRPJ e CSLL. E além da redução da carga tributária de IRPJ e CSLL, o
JCP pode ser utilizado como forma de remuneração de sócios, possibilitando ainda
uma possível redução de tributação de INSS sobre pró-labores. Todas essas medidas,
realizadas dentro das regras previstas na legislação tributária, trazem economia de
tributos e possibilitam que as empresas tenham mais caixa para a manutenção da