ARTIGO ABETRI: Como a Transformação Digital Está Mudando o Compliance Tributário

Por Luiz Carlos Couto Braga | Contador – CRC/RS.20812, Advogado – OAB/RS. 18378 e associado ABETRI

Resumo

A transformação digital tem provocado mudanças profundas no compliance tributário, reformulando a forma como empresas e governos lidam com obrigações fiscais. O advento da inteligência artificial, do blockchain e da automação tem aumentado a transparência e a eficiência na arrecadação de tributos. Este artigo discute a evolução do compliance tributário, desde os processos manuais até a digitalização, analisando as contribuições tecnológicas e seus impactos no cenário tributário brasileiro.

Palavras-chave: Compliance tributário; transformação digital; automação; tecnologia fiscal; arrecadação de tributos.

1. Introdução

A transformação digital tem provocado mudanças profundas em diversos setores da economia, e o direito tributário não é exceção. O avanço das tecnologias emergentes, como inteligência artificial, blockchain e automação, tem reformulado a maneira como empresas e governos lidam com obrigações fiscais. Esse novo cenário exige uma adaptação constante dos profissionais da área para garantir conformidade e eficiência no cumprimento das exigências fiscais.

2. Do Compliance Tradicional ao Digital

Historicamente, o compliance tributário era um processo predominantemente manual e burocrático, baseado na coleta, conferência e envio de informações fiscais para o Fisco. Empresas precisavam lidar com pilhas de documentos físicos e processos fragmentados, o que aumentava a incidência de erros e inconsistências. A fiscalização, por sua vez, era lenta e dependente de auditorias presenciais, limitando a capacidade dos órgãos fiscais de identificar fraudes e inconsistências de forma ágil.

Antes do advento da tecnologia, as revisões legislativas eram realizadas manualmente nos textos publicados. Muitas vezes, cada nova alteração exigia a publicação de um novo documento, que fazia referência a artigos específicos de leis anteriores. Esse processo gerava uma grande complexidade na interpretação da legislação, pois diversos livros e textos legislativos se referiam uns aos outros em virtude das constantes modificações. Por exemplo, a Lei 7.959/89 alterou a legislação do imposto de renda, referindo-se ao art. 1º da Lei 7.713/88, criando uma cadeia de referências legislativas que exigia grande esforço para acompanhamento e correta aplicação das normas.

Com a digitalização, o compliance tributário passou a ser moldado por novas ferramentas tecnológicas. A implementação da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) e de outras iniciativas governamentais acelerou essa transição. O ambiente digital trouxe maior transparência, permitindo que o Fisco tenha acesso instantâneo a dados tributários das empresas, reduzindo o tempo de fiscalização e aumentando a eficiência na arrecadação de tributos.

3. O Papel das Novas Tecnologias

A inteligência artificial (IA) e o machine learning desempenham um papel central no novo paradigma do compliance tributário. Algoritmos avançados são capazes de analisar grandes volumes de dados fiscais em tempo real, identificando padrões e inconsistências que poderiam passar despercebidos em auditorias tradicionais. Isso permite que as empresas corrijam erros antes que sejam penalizadas, reduzindo riscos e custos operacionais.

O blockchain, por sua vez, emerge como uma solução promissora para garantir a segurança e a autenticidade das informações fiscais. A tecnologia de registro distribuído pode ser utilizada para criar um histórico imutável de transações, dificultando fraudes e aumentando a confiabilidade dos dados declarados ao Fisco. Além disso, contratos inteligentes podem ser aplicados para automatizar obrigações tributárias, garantindo o recolhimento correto de impostos de forma programada.

A automação de processos robóticos (RPA) também está transformando a rotina dos departamentos fiscais das empresas. Softwares de RPA podem executar tarefas repetitivas, como preenchimento de declarações, cruzamento de dados e emissão de guias de recolhimento, reduzindo erros humanos e otimizando o tempo dos profissionais tributários para atividades estratégicas.

Vale ressaltar que Alfredo Augusto Becker, um dos grandes doutrinadores do direito tributário brasileiro, enfrentou o que denominou de “Carnaval Tributário” em sua obra Teoria Geral do Direito Tributário. Becker criticava a complexidade e a desorganização do sistema tributário brasileiro, caracterizado por mudanças constantes e interconexões legislativas confusas. Se estivesse presente na atual era digital, possivelmente reformularia sua doutrina para considerar o impacto da tecnologia na mitigação dessas dificuldades. Com a automação e a transparência proporcionadas pelas novas ferramentas, é provável que Becker enxergasse um novo paradigma no compliance tributário, talvez vislumbrando uma era de maior eficiência e racionalidade fiscal.

4. Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar das vantagens da digitalização, a transformação digital no compliance tributário também apresenta desafios. A complexidade da legislação tributária brasileira exige que as empresas invistam constantemente na atualização de seus sistemas e na capacitação de seus profissionais. A rápida evolução tecnológica também impõe a necessidade de adaptação contínua, com soluções que acompanhem as exigências fiscais em tempo real.

Outro desafio relevante é a proteção de dados. Com o aumento da digitalização, as empresas devem estar atentas à conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), garantindo que informações fiscais sejam armazenadas e transmitidas de maneira segura, sem exposição indevida a riscos cibernéticos.

Além disso, a vigilância antecipada dos registros tributários tornou-se uma necessidade imprescindível para as empresas. Com a implementação do split payment (pagamento dividido), já previsto na reforma tributária, o recolhimento dos tributos será realizado separadamente no momento da transação financeira. Essa mudança concede ao Fisco a prerrogativa de receber o montante dos tributos diretamente, eliminando atrasos no recolhimento e reduzindo o risco de inadimplência. Dessa forma, a insolvência fiscal passará a ser um problema exclusivo dos contribuintes que não adotarem mecanismos de vigilância prévia em seus registros tributários. A antecipação e a automação na verificação de tributos se tornarão fatores críticos para evitar riscos financeiros e garantir a conformidade fiscal.

5. Conclusão

A tecnologia não apenas facilitou o cumprimento das obrigações tributárias, mas também transformou a relação entre contribuintes e o Fisco. O cenário legislativo, antes registrado exclusivamente em livros e documentos físicos, passou a estar disponível de forma instantânea e integrada a sistemas automatizados. Essa mudança aliviou a necessidade de os profissionais da área tributária dependerem apenas de registros físicos e da própria memória para acompanhar a legislação vigente.

Além disso, a digitalização permitiu ao governo aprimorar a arrecadação de tributos, eliminando a possibilidade de atrasos no pagamento. Diferentemente do passado, quando os impostos eram recolhidos a prazo, as novas tecnologias viabilizaram a arrecadação à vista, garantindo maior eficiência na gestão fiscal e no combate à inadimplência.

Referências

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963. BRASIL. Lei nº 7.959, de 20 de dezembro de 1989. Altera dispositivos da legislação do imposto de renda. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 dez. 1989. BRASIL. Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1988.