ARTIGO ABETRI: EC 132 – A Primeira Fase da Reforma Tributária

Por Frederico Arantes Gontijo de Amorim | Advogado e associado ABETRI

Introdução

A Emenda Constitucional Nº 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023 representa um marco histórico na legislação tributária brasileira. Esta emenda, fruto de intensas discussões e debates ao longo dos anos, traz significativas alterações ao Sistema Tributário Nacional, com o objetivo de modernizar, simplificar e tornar mais justa a estrutura de tributação no país.

A complexidade do sistema tributário brasileiro tem sido um desafio constante para empresas, contribuintes e para a própria administração pública. As inúmeras taxas, impostos e contribuições, somadas à burocracia e a um sistema muitas vezes considerado ineficiente, geram não apenas um alto custo operacional, mas também dificultam o ambiente de negócios e atração de investimentos estrangeiros. Neste cenário, a Emenda Constitucional nº 132 surge como uma resposta a essas demandas por um sistema mais eficiente e menos oneroso.

A Emenda Constitucional nº 132 representa apenas a primeira etapa da transformação do ordenamento tributário pátrio, tributando sobretudo o consumo, sendo certo que as etapas seguintes deverão ater-se às modificações dos impostos sobre propriedade e renda.

Além disso, a emenda produziu mudanças significativas em outras áreas do sistema tributário, como a alteração das regras de imunidade e isenção fiscal, a introdução de mecanismos para combater a desigualdade social e regional e a modernização da administração tributária. Estas mudanças refletem a tentativa de alinhar o sistema tributário brasileiro com as práticas internacionais mais avançadas, promovendo a justiça fiscal e a competitividade econômica.

Este ebook não tem por objeto analisar a constitucionalidade, a conveniência, nem tampouco as consequências financeiras econômicas. Nosso trabalho visa um apontamento de ordem geral, simplificada e com o objetivo de permitir aos leitores a visão ampla que a modificação representa. Ao desvendar os aspectos da EC 132, buscamos proporcionar uma compreensão abrangente das mudanças implementadas e de como elas podem afetar a vida dos cidadãos e o ambiente de negócios no Brasil.

Capítulo 1 – Características gerais da EC 132

Considerando os objetivos acima propostos, a produção de nosso texto definiu como premissas a melhor e mais célere compreensão das modificações já vigentes (obedecido o período da vacatio legis, é claro). Não nos escudamos na ainda pendente regulação por legislação infraconstitucional, mas sim traremos à tona quais as modificações constitucionais já se encontram presentes no ordenamento tributário (embora ainda não tenham produzido efeitos, repetimos).

As principais modificações quanto aos tributos em espécie são a extinção gradativa do PIS, COFINS, IPI, ISS e ICMS e a consequente criação gradativa dos IVA Dual, gênero do qual são espécies a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). O IVA Dual será composto por um tributo federal e outro estadual/municipal, compartilhando a competência entre os entes federativos, subdividido, assim, na CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

A mudança ostensiva na tributação sobre o consumo (assim entendida como ostensiva aquela que o contribuinte enxergará em sua operação comercial) foi, portanto, a introdução do Imposto sobre Valor Agregado (IVA-Dual), que promete unificar e simplificar a cobrança de diversos tributos. Esta opção do legislador reformador visa não apenas simplificar o sistema tributário, mas também aumentar a sua eficiência, reduzir a evasão fiscal e, consequentemente, aumentar a arrecadação sem elevar a carga tributária sobre a população e as empresas. 

Atingido, portanto, o objetivo da EC 132, qual seja, trazer à tona relevante modificação da tributação sobre consumo, reestruturando todo o sistema, com nítido privilégio ao princípio da não cumulatividade.

A considerar, ainda, que outras duas espécies tributárias foram criadas pelo Reformador Constitucional, quais sejam o IMPOSTO SELETIVO e a CONTRIBUIÇÃO ESTADUAL SOBRE FUNDOS DE INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA E HABITAÇÃO.

Enquanto o Imposto Seletivo se alinha ao escopo da EC-132, qual seja, regrar a tributação sobre consumo, a Contribuição Estadual surge como uma hipótese excepcional, pois visa compensar os Estados-membros prevendo a possibilidade de eles criarem contribuições estaduais caso mantenham fundos de investimento em infra-estrutura fomentados por arrecadações de PIS e COFINS.

Capítulo 2: Os novos tributos em espécie, Características e Principais Aspectos

Como antecipamos acima, os novos tributos em espécie criados pela EC-132 são, respectivamente: CONTRIBUIÇÃO SOBRE BENS E SERVIÇOS (CBS), IMPOSTO SOBRE BENS E SERVIÇOS (IBS), IMPOSTO SELETIVO (IS) e CONTRIBUIÇÃO ESTADUAL SOBRE FUNDOS DE INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA E HABITAÇÃO (CEFIIH)

  1. O IVA DUAL (CBS e IBS) – características comuns a CBS e IBS

Ambas as espécies tributárias (CBS e IBS) derivam do mesmo gênero IMPOSTO SOBRE VALOR AGREGADO.

PIS, COFINS e IPI (tributos federais) serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enquanto ICMS (tributo estadual) e ISS (tributo municipal) serão unificados sob o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), buscando harmonizar a tributação sobre o consumo de bens e serviços em todo o território nacional.

A base de incidência de IBS e CBS será ampla, ou seja, incidirão eles sobre comércio, serviço ou indústria, sobre bens corpóreos ou incorpóreos, bens tangíveis ou não.

Haverá inversão do sistema de cálculo dos impostos (se comparados aos atuais sistemas de ICMS e ISS, por exemplo). Enquanto hoje os impostos estão representados dentro do valor final do produto (o que se comumente se chama ‘imposto por dentro’), com a entrada em vigor do IVA DUAL o valor final do produto será apresentado pelo empresário e sobre o valor final será calculada a obrigação tributária.

A modalidade propõe a não cumulatividade plena, evitando as burlas legais produzidas pelo próprio Fisco.

Medida de grande valor social será a isenção de IBS e CBS sobre produtos da cesta básica nacional de alimentos.

Haverá fatores de redução das alíquotas sobre determinados segmentos a que mencionará a legislação complementar (a exemplo de serviços de educação e saúde, assim como equipamentos médicos e medicamentos) de modo a beneficiar os setores com redução da respectiva carga tributária.

Por fim, está prevista a implementação gradual do recolhimento do imposto no destino, o que se destinará, inclusive, a colocar fim à guerra fiscal entre os Estados-membros.

  • O IS – Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo, como modalidade específica de tributo e sob esta nomenclatura, é uma novidade no sistema tributário, não obstante já tenhamos exemplos de majoração de alíquotas sobre determinados produtos em razão de política social de proteção à saúde, por exemplo.

Exsurge, assim, o Imposto Seletivo, de competência da União Federal, como medida de expressão da função extrafiscal, para determinar ou direcionar determinados comportamentos sociais, competindo aos Estados e aos Municípios, conduto, a definição por texto legal das respectivas alíquotas incidentes em sua área geográfica.

O objetivo do IS é desestimular a produção, importação, extração ou comercialização de bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Por intermédio do IS, portanto, serão majoradas as cargas fiscais de tais produtos e serviços que vierem a ser assim reconhecidos pela futura legislação (prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente).

Algumas das características principais do Imposto Seletivo são:

. não incidirá sobre produtos destinados à exportação;

. incidirá sobre armas e munições, exceto aquelas destinadas à Administração Pública;

. incidirá numa única etapa da cadeia econômica;

. não integrará a sua própria base de cálculo, mas integrará o cálculo do ISS/ICMS enquanto vigorarem, assim como integrará a base de cálculo de IBS e CBS;

. poderá ter a mesma base de cálculo de outros bens e produtos, modificando princípio consagrado da vedação ao ‘bis in idem’ – é uma previsão constitucional da exceção à regra, portanto;

. as alíquotas serão fixadas por lei ordinária;

. as alíquotas poderão ser em percentagem, ou mesmo por unidade de medida do produto;

. prevista limitação ao poder de tributar as extrações, cuja alíquota máxima será de 1%;

. não incidirá sobre energia elétrica;

. não incidirá sobre telecomunicações.

Alerta que lançamos neste momento quanto ao IS e que toda a sociedade deve observar de perto e atuar como agente social e cobrar resultado do legislador é o alcance do que se terá, no futuro e por lei ordinária, da definição do que serão produtos e serviços nocivos. Enquanto modelo social de produção econômica livre, é claro que medidas compensatórias de danos causados à sociedade, seja à saúde, seja ao meio ambiente serão sempre muito bem vindas, no entanto o que se poderá alcançar com o ‘bis in idem’ agora constitucionalmente autorizado é um desregrado e descontrolado aumento da carga tributária.

  •         A CEFIIH – Contribuição Estadual sobre Fundos de Infraestrutura e Habitação

Extrapolando o escopo principal da EC-132 que foi reformar o sistema tributário especificamente sobre o consumo, foi criado, em caráter  excepcional, a possibilidade dos Estados-membros de instituírem uma Contribuição provisória sobre produtos primários ou semielaborados, de modo que a contribuição compense a perda de capacidade de investimento dos fundos que financiavam, com recursos tributários, políticas de investimento em infraestrutura e habitação

Assim, será possível aos Estados-membro que em 30/04/2023 tivessem implementados fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação criem CEFIIH em seus territórios.

Ainda como requisito para a possibilidade da criação da CEFIIH, é de se exigir que os fundos fossem fomentados pelas contribuições existentes sobre os produtos primários ou semielaborados.

Como medida de controle e restrição à tributação, as alíquotas e os percentuais da contribuição não poderão propiciar arrecadação fiscal específica superiores às que vigoravam em 30/04/2023(portanto medida de controle de carga tributária).

Capítulo 3. O Simples Nacional na EC-132

O simples nacional como regime único de recolhimento dos impostos federais não passou ao largo da modificação trazida pela EC-132.

Isso porque o Simples Nacional traz em sua efetiva apuração o recolhimento de tributos federais, tributos esses, portanto, modificados pela EC.

Assim, o legislador reformador cuidou de prever a nova redação ao art. 146, ‘d’, da Constituição da República, inserindo a CBS e IBS no universo do Simples Nacional.

Seguindo a mesma premissa da forma de apuração dos tributos, mas conciliando-os com os pressupostos do regime simplificado do Simples Nacional, a EC-132 facultou ao contribuinte optante do SN recolher os valores dos novos tributos ‘por dentro’ ou ‘por fora’ do recolhimento de sua alíquota do próprio sistema simplificado.

Conforme a escolha do contribuinte, a apuração da CBS/IBS por dentro ou por fora, medida lógica é definir se serão objeto de tomada de crédito ou não, assim entendido o aproveitamento dos impostos em espécie incidentes nas operações anteriores ou posteriores.

A consequência quanto ao crédito em razão da forma escolhida pelo empresário de como promoverá a o recolhimento dos novos tributos no SN serão as seguintes:

  • Se o recolhimento for dentro do SN:

                    . Pagará em apuração conforme hoje o PGDAS

. Não tomará crédito;

. Somente transferirá crédito do valor por ele próprio recolhido em suas saídas.

  • Se o recolhimento for por fora do SN:

                    . Pagará os tributos em apuração específica;

                    . Tomará crédito;

                    . Transferirá crédito integral em suas saídas.


Capítulo 4. A Temporalidade da EC-132

A EC-132, atualmente, encontra-se em seu período de ‘vacatio legis’, ou seja, apesar de existente no universo jurídico, ainda não produziu seus efeitos efetivos.

Os efeitos da EC-132 serão produzidos conforme a seguinte linha do tempo:

  • 2026: efeitos do período denominado de teste para IBS e CBS, com alíquotas de 0,1% e 0,9%, valores que serão compensados com PIS e COFINS;
  • 2027: extinção definitiva de PIS e COFINS, com a entregada da CBS de forma integral, permanecendo o IBS com alíquota reduzida. Concomitantemente o IPI terá suas alíquotas reduzidas a zero, com exceção da Zona Franca de Manaus e das áreas de Livre Comércio;
  • 2029 (a partir de): serão reduzidas as alíquotas de ICMS e ISSQN (10% ao ano), com o aumento gradativo das alíquotas do IBS. Concomitantemente serão reduzidos os incentivos e benefícios fiscais na mesma proporção;
  • 2033: extinção definitiva de ICMS e ISS.

Capítulo 5. Comentários adicionais

Além das modificações dos tributos em espécie, como já estudado neste ebook, apenas citaremos outras importantes modificações produzidas, o que o fazemos apenas a título de complemento, porquanto não é o objetivo do presente.

Assim sendo, provocando o leitor a novas reflexões e novos estudos, podemos citar as seguintes modificações trazidas pela EC-132: 

  • Administração e regulamentação do IBS: Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos na Constituição e em lei complementar, as competências administrativas relativas ao IBS, como normas infralegais, arrecadação, compensação e distribuição do imposto entre Estados e Municípios;
  • Alterações em Isenções e Imunidades: A emenda revisa as normas sobre isenções e imunidades tributárias, buscando tornar o sistema mais justo e menos suscetível a abusos, inclusive com o fim gradativo dos benefícios fiscais;
  • Medidas para Combater a Desigualdade Social e Regional: A EC 132 incentivou a introdução em todo o ordenamento de disposições que visem a redução das desigualdades sociais e regionais por meio de incentivos fiscais e de políticas tributárias mais equitativas;
  • Fundos: foram criados fundos para a composição dos Entes Federativos com as perdas fiscais em razão das perdas de arrecadação, fundos esses que foram expressamente excluídos do controle fiscal de gastos (Lei Complementar 200/23);
  • Medida compensatória especial IPI: ainda permitindo a perda fiscal e a manutenção de competitividade, o IPI continuará a existir apenas na Zona Franca de Manaus (ZFM) e desde que tais produtos sejam lá produzidos, cujos valores de compensação de igual forma não serão incluídos no espectro da Lei Complementar 200/23;
  • Modernização da Administração Tributária: A emenda estabelece novas diretrizes para a administração tributária, com o objetivo de tornar a cobrança de impostos mais eficiente e menos burocrática;
  • Revisão das Competências Tributárias: Os artigos 43 a 225 da Constituição Federal foram revisados para redistribuir competências tributárias entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, garantindo uma maior equidade e eficiência na cobrança de impostos;
  • Regras para Tributação de Bens e Serviços: Foram introduzidas regras específicas para a tributação de bens e serviços, incluindo disposições sobre o cálculo do IVA Dual, a não cumulatividade e a compensação de créditos tributários;
  • Incentivos Fiscais Regionais e Ambientais: Foram estabelecidos critérios para a concessão de incentivos fiscais que consideram a sustentabilidade ambiental e a promoção do desenvolvimento regional;
  • Transparência e Justiça Tributária: Os artigos revisados enfatizam a necessidade de transparência e justiça no sistema tributário, com medidas para garantir que a carga tributária seja distribuída de maneira mais equitativa;
  • Reformas Estruturais: As alterações promovidas aos artigos 43 a 225 da Constituição também incluem reformas estruturais destinadas a simplificar o sistema tributário, reduzir a evasão fiscal e melhorar a eficiência da arrecadação de impostos;

Essas mudanças (sistema tributário e de repartição de competências e receitas), apesar de representarem esforço abrangente para reformar o sistema tributário brasileiro, tornando-o mais eficaz, justo e alinhado com as melhores práticas globais, não serão objeto deste estudo, apesar de importante a sua citação, porquanto nosso objetivo é a visão global dos novos tipos tributários.

Capítulo 6. Conclusão

A Emenda Constitucional Nº 132 representa uma mudança paradigmática no sistema tributário brasileiro, com potencial para transformar não apenas a maneira como os impostos são coletados, mas também a relação entre contribuintes, empresas e o Estado. Seus benefícios, como simplificação, eficiência aprimorada, e justiça fiscal, são claros. No entanto, os desafios de implementação e possíveis resistências não devem ser subestimados.

A reforma tem o potencial de promover um ambiente econômico mais dinâmico e justo, favorecendo o desenvolvimento sustentável e a equidade social. Entretanto, para que seus objetivos sejam plenamente alcançados, será necessária a gestão cuidadosa e colaborativa entre todos os níveis de governo e setores da sociedade.

Assim, a Emenda Constitucional Nº 132 abre um novo capítulo na história tributária do Brasil, marcando um passo significativo em direção a um sistema mais justo, eficiente e adaptado às necessidades contemporâneas da economia e da sociedade.